Quem nunca ouviu falar em Dr. Jekyll e Mr. Hyde?
Escrita em 1886 pelo escocês Robert Louis Stevenson, foi sem dúvida, uma
pedrada no charco em plena época vitoriana. Curiosamente, em vésperas da
explosão da teoria psicanalítica, o escocês relata a sua inspiração literária
num pesadelo que teve…
A obra apresenta-nos um indivíduo honesto e
virtuoso (Dr. Jekyll) fascinado pela ciência, abnegando qualquer laivo
hedonista na sua vida, com o intuito de dividir na sua natureza o lado bom do
lado mau. Em experiências no seu laboratório, desenvolve uma fórmula química, originando
assim, o pavoroso e animalesco Mr. Hyde (materializando todas as suas
inclinações perversas). Progressivamente, Hyde vai acumulando uma série de atos
repulsivos e violentos, ao mesmo tempo que vai dominando a personalidade
discreta do médico…
Efetivamente, esta obra reúne incontestável interesse
de análise psicológica. Tratar-se-á de um caso de desordem ou transtorno
dissociativo de identidade? Explorar-se-á o papel do inconsciente (como o
conjunto de pulsões reprimidas e recalcadas) de acordo com a ótica freudiana? Ou
será, pelo contrário, a evidência daquilo que Jung denominaria, mais tarde,
como o arquétipo Sombra? Tudo isto ou nada disto? Depende da análise de cada
um, certamente.
De facto, podemos interpretar de acordo com
linhas de orientação epistemológicas ou meramente empíricas, no entanto,
reconhece-se o desafio metafórico lançado por Stevenson. Será, então, possível
a divisão entre o bom e o mau, numa lógica a preto e branco matematicamente
comprovada?
Como alguém disse, o “eu” não deixa de ser um conjunto de várias redes neuronais
distintas e…não haverá diferentes versões a flutuar dentro do nosso crânio? Qual
delas será a verdadeira? O desportista que faz exercício todos os dias? O
funcionário (in)feliz das 9h às 17h? O cônjuge (mais ou menos) dedicado? O
pilar ou o desestabilizador da família? Tudo isto ou nada disto?