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terça-feira, 27 de novembro de 2012

Jekyll & Hyde

Quem nunca ouviu falar em Dr. Jekyll e Mr. Hyde? Escrita em 1886 pelo escocês Robert Louis Stevenson, foi sem dúvida, uma pedrada no charco em plena época vitoriana. Curiosamente, em vésperas da explosão da teoria psicanalítica, o escocês relata a sua inspiração literária num pesadelo que teve…
 
A obra apresenta-nos um indivíduo honesto e virtuoso (Dr. Jekyll) fascinado pela ciência, abnegando qualquer laivo hedonista na sua vida, com o intuito de dividir na sua natureza o lado bom do lado mau. Em experiências no seu laboratório, desenvolve uma fórmula química, originando assim, o pavoroso e animalesco Mr. Hyde (materializando todas as suas inclinações perversas). Progressivamente, Hyde vai acumulando uma série de atos repulsivos e violentos, ao mesmo tempo que vai dominando a personalidade discreta do médico…
 
Efetivamente, esta obra reúne incontestável interesse de análise psicológica. Tratar-se-á de um caso de desordem ou transtorno dissociativo de identidade? Explorar-se-á o papel do inconsciente (como o conjunto de pulsões reprimidas e recalcadas) de acordo com a ótica freudiana? Ou será, pelo contrário, a evidência daquilo que Jung denominaria, mais tarde, como o arquétipo Sombra? Tudo isto ou nada disto? Depende da análise de cada um, certamente.
 
De facto, podemos interpretar de acordo com linhas de orientação epistemológicas ou meramente empíricas, no entanto, reconhece-se o desafio metafórico lançado por Stevenson. Será, então, possível a divisão entre o bom e o mau, numa lógica a preto e branco matematicamente comprovada?
 
Como alguém disse, o “eu” não deixa de ser um conjunto de várias redes neuronais distintas e…não haverá diferentes versões a flutuar dentro do nosso crânio? Qual delas será a verdadeira? O desportista que faz exercício todos os dias? O funcionário (in)feliz das 9h às 17h? O cônjuge (mais ou menos) dedicado? O pilar ou o desestabilizador da família? Tudo isto ou nada disto?

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Gold for the price of silver.

Dos livros de alquimia, dos grandes monarcas ao simples curioso, o ouro (do latim “aurum”) sempre esteve conotado com riqueza, sabedoria, divindade, poder… e de todos os metais é o mais conhecido. As suas aplicações são inúmeras, patentes na satisfação concedida pelos sinais de luxo e ostentação, ao enfeite simbólico, à crisoterapia…
 
Porém, para se transformar metais comuns em preciosos será necessário ter um toque de Midas (pelo que será tão desafiante quanto a veracidade da lenda) ou então trabalhar arduamente construindo o seu “El Dorado”, sem nunca entregar o ouro ao bandido… Para isso há que sair da zona de conforto, arriscar e andar, por vezes, em areias movediças.
 
De facto, há cenários brilhantes capazes de preencher ávidas expectativas, mas só a experiência adquirida lhe aguçará a visão, distinguindo o metal precioso de banhos dourados. Por isso, convém no mínimo pensar duas vezes quando por acaso, lhe propuserem “gold for the price of silver” porque nem tudo o que reluz é de facto ouro…

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O labirinto de Kafka

Sempre achei curioso o termo “Kafkiano” relativo ao absurdo, ao surreal, ao inimaginável ou impensável… sem dúvida, Franz Kafka, foi um dos escritores mais marcantes do século XX.
 
O que me fascina neste autor prende-se com a análise do ponto de vista psicológico – o curioso, particular e subjetivo mundo da introspeção, a mudança e o processo metamórfico, o pessimismo, a angústia existencial, presenteados na sua obra.
 
Em Metamorfose (escrita há 100 anos atrás) Kafka retrata a história de um homem, figura central e de sustento da sua família, que acorda transformado num inseto e cuja vida se vê completamente alterada, derivada da sua nova forma e condição. Através do processo metamórfico da personagem, Kafka apresenta uma crítica à sociedade do início do século passado, espelhada pelo desânimo e descrença.
 
Em vésperas da Primeira Grande Guerra Mundial, a obra de Kafka surge como uma expressão literária equivalente ao Grito de Edvard Munch (1893), alertando para o pensamento “rolo compressor” da sociedade vigente, que restringiu muitas vezes o valor do ser humano à aparência robotizada…
 
A intensidade de Kafka, apesar de sombria, pessimista e por vezes, angustiante, não deixa de conter um interessante e metafórico retrato crítico do sentimento de exclusão, da crise social e das contradições das dinâmicas do sistema familiar (tão evidente na relação de Franz Kafka com o seu pai).
 
De facto, existem labirintos com corredores e encruzilhadas sombrias e frias, que podem induzir verdadeiras sensações de sufoco. Porém, o desafio labiríntico reside em não ficar preso, nem definhar nele; há que continuar, prosseguindo até à sua saída.
 
É, no mínimo, desafiante nadar nas águas profundas da existência, podemos mergulhar bem fundo, mas devemos transportar oxigénio suficiente para voltar à superfície, sempre.