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terça-feira, 25 de setembro de 2012

"Wine is time".

Regressada há poucas horas de Bordéus ainda com todas sensações positivas pululantes na bagagem da memória, não quero deixar passar ao esquecimento uma frase que ouvi aquando de uma agradável visita a um dos Châteaux produtores de vinho: “Wine is time”.

Relembro a fisionomia do proprietário da vinha, um robusto senhor na casa dos seus férteis 70 anos, com socalcos profundos marcados na cara, dono de um sorriso enternecedor que lhe iluminava a cara sempre que falava da paixão da sua vida: o vinho.

Ah! Que registos guardam as pessoas que trabalham naquilo que adoram, transformando o que fazem na sua própria vida. Vivem e trabalham nas vinhas, fazem da arte do vinho a sua arte de viver.
Enologia não é só apreciar o néctar no copo, para chegar a esse resultado há todo um processo que se desenrola nos bastidores bucólicos. É preciso conhecer as uvas de qualidade, saber quando se encontram prontas para colheita. Da apanha manual, ao transporte das uvas, ao processo de fermentação, há um processo de savoir-faire que apesar de se aprender nos livros, se complementa com a mestria dos anos de prática e, sobretudo, com uma enorme paixão pelo que se faz.

Para se fazer um bom vinho há que deixá-lo amadurecer nas teias do tempo, há que lidar com as condições climatéricas que tanto podem favorecer as vindimas, como destruí-las. Uma vida árdua, esta da arte de fazer vinho...
Mas há sorrisos que não têm preço, que ultrapassam todos os postiços, os amarelos e os de conveniência; são aqueles que rasgam da espontaneidade de quem é verdadeiramente livre e cuja paixão é autêntica. Mas para tudo isso há que dar tempo ao tempo, pois as pressas não costumam gerar vintage.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Árvores de raízes profundas.

Há árvores de flor, de fruto, de diferentes tipos de madeira e folhagem, com múltiplas formas e estruturas.
 
Árvores que escutam os mais secretos segredos, onde se fazem as maiores confidências e se inscrevem nomes com declarações eternas ao longo de várias gerações - são as que se confundem com o próprio tempo.
 
Existem outras, com imensa folhagem, semelhantes a arbustos farfalhudos onde simplesmente se descansa à sombra escassa, derivada do tamanho do arvoredo. Ainda há árvores de folha persistente e as de folha caduca que mudam a cada estação. Depois há aquelas que secam rapidamente e precisam de muitos adubos e cuidados atentos do jardineiro... sem dúvida, árvores para todos os gostos e feitios!

Mas há árvores e árvores. Ao observarmos a copa, vemos apenas uma parte, a estrutura alicerçada no solo é uma incógnita, até onde vão as suas raízes? Como lida com os ventos irados?
 
Com largos desafios se depara o crescimento de uma árvore, pois há  intempéries que testam a sua robustez. De facto, se tiver a ousadia de crescer e perdurar muito, vai ter de se equilibrar, certamente… pois "qualquer árvore que queira tocar os céus precisa ter raízes tão profundas a ponto de tocar os infernos" (Carl Jung).  

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Rat race (inside the wheel).

Ratinhos de laboratório, hamster de estimação, quem nunca observou a corrida frenética de um roedor nas rodinhas dentro da gaiola… Porque corre tanto? Não vai a nenhum lado! Será que se exercita, melhorando a qualidade dos músculos? Estará a preparar o seu corpo para uma prova de resistência? Apesar de ser intrigante ver tamanha agitação, sabemos que é uma questão de tempo até o ratinho se cansar e a roda parar, pois embora empregue tanto esforço nunca vai sair do mesmo lugar…
 
Por vezes, existem momentos que se assemelham a gigantes rodas e há ratinhos que, embora se dediquem a uma corrida frenética, nunca cortarão nenhuma meta, pois o que fazem é alimentar a força motriz da roda, apenas isso… até ficarem exaustos.
 
“Rat race” é uma expressão análoga ao esforço empregue em situações cíclicas e inúteis de desgaste constante (veja-se, a título de exemplo, a corrida de um ratinho na roda, no laboratório). Mais uma expressão do quotidiano das sociedades modernas, refletora do estilo de vida, caracterizada pela velocidade dos pensamentos, das obrigações, da sobrecarga mental, da hiperocupação, bem… já se sabe no que vai originar: cansaço e frustração.
 
Por mais que se procure a ocupação total, vai sempre haver a sensação de se estar incompleto. Por mais que se busque a perfeição, haverá sempre algo imperfeito. Então porque continuar a correr, incessantemente?
 
Parar, sair da roda. Ouvir o corpo, escutar a mente. Saber abrandar quando se sente fumo, poderá evitar queimar o motor! Abrandar ou parar não é sinónimo de fraqueza, mas de inteligência e de auto-estima. Pense e analise bem as rodas (camufladas) com que se poderá deparar ao longo da estrada da vida…
 
Jennifer Kunst, psicanalista norte-americana confessou ter sofrido um insight quando um paciente a interpelou, perguntando-lhe: “Are you a member of the rat race or the human race?”

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O "ter de".

Algumas pessoas têm dúvida na hora de escrever “tenho de” ou “tenho que”, qual é a forma correta? Segundo alguns peritos da língua, existe uma diferença no uso empregue das expressões:
 
“Tenho de” – quando há dever, obrigação, necessidade. “Tenho de ler” (sou obrigado a ler);
“Tenho que” – quando há algo para fazer. “Tenho muito que ler” (tenho muitas coisas para ler). Portanto, depende do contexto e sobretudo do sentido, ninguém disse que português era fácil e as palavras têm o seu peso…
 
No fundo, em ambas as expressões, a ação parece já praticamente predestinada; não haverá muito a fazer, apenas tem de/que cumprir. Mas… já pensou em substituir o verbo ter pelo querer?
 
Há uma linha que separa o ter do querer e embora pareça ténue, divide o campo da obrigação do da vontade. Na maior parte das vezes, preterimos o querer pelo “ter de”. Mas já se perguntou o que realmente quer? Sei que há obrigações, mas também há opções e há o querer.
 
“Tenho de fazer isto, tenho de fazer aquilo”, já experimentou mudar a expressão para: quero fazer isto, quero fazer aquilo?
 
Se faz parte do clube dos “tenho de inveterados” saiba que ao querer vai continuar (!) a ter de acarretar com a responsabilidade da opção e vai ter que lidar com os múltiplos resultados, só que desta vez é porque quer, porque lhe apetece, faz sentido?
 
É claro que não tem de substituir esta expressão, se ela lhe confere as mais seguras linhas de orientação mas, às vezes, ao mudar a linguagem interna ultrapassamos enormes barreiras, rumo a uma melhor qualidade-de-vida…
 
Uma vez um amigo disse-me: “Tenho de ser feliz!” E eu perguntei-lhe logo de seguida: “Tens ou queres ser feliz?”