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terça-feira, 9 de outubro de 2012

O sonho comanda a vida

Da poltrona freudiana às mais recentes pesquisas, a necessidade de sonhar é mais do que uma evidência. Sonhar é preciso, na consolidação da memória, no reforço do sistema imunológico; sem sonhos morreríamos e quem o diz é a ciência. Ao privar-se um organismo de sono REM (Rapid Eye Movement – fase onde ocorrem, maioritariamente, os sonhos) este entrará em colapso e morrerá.

Porém, a produção de conteúdos simbólicos e/ou latentes (sim, falo da manifestação do inconsciente que revela aquela outra parte nós, por vezes, bem escondida nas profundezas do oceano) continua a ser alvo de análise e de interesse, pois a sua função continua a ser tema de debate.

Precisamos de sonhar, sim. Mas qual a sua função na nossa vida?

Além dos sonhos derivados do sistema neurofisiológico, existem outros, derivados da simples teimosia de projetar, de ir mais além, de (ante)ver, imaginar e viver mais intensamente…

Não falo da mera capacidade de sonhar, mas sobretudo de ser sonhador. Refiro-me aquela terrível característica daqueles que não receiam em abandonar a sua zona de conforto, de correr riscos, de continuar quando todos aconselham a desistir, dos que fazem da sua vida uma constante caminhada apesar do percurso ser acidentado.

Sonhar é preciso, quem o diz é a ciência. Se nos privarmos de sonhos durante um período prolongado, o nosso organismo poderá entrar em colapso e morrer. Talvez seja por isso que alguém, brilhantemente, disse um dia: o sonho comanda a vida.

 Pedra filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
 
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
 
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
 
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
 
                 (António Gedeão).