Da poltrona freudiana às mais recentes pesquisas,
a necessidade de sonhar é mais do que uma evidência. Sonhar é preciso, na
consolidação da memória, no reforço do sistema imunológico; sem sonhos
morreríamos e quem o diz é a ciência. Ao privar-se um organismo de sono REM
(Rapid Eye Movement – fase onde ocorrem, maioritariamente, os sonhos) este
entrará em colapso e morrerá.
Porém, a produção de conteúdos simbólicos e/ou
latentes (sim, falo da manifestação do inconsciente que revela aquela outra
parte nós, por vezes, bem escondida nas profundezas do oceano) continua a ser
alvo de análise e de interesse, pois a sua função continua a ser tema de
debate.
Precisamos de sonhar, sim. Mas qual a sua função na nossa
vida?
Além dos sonhos derivados do sistema
neurofisiológico, existem outros, derivados da simples teimosia de projetar, de
ir mais além, de (ante)ver, imaginar e viver mais intensamente…
Não falo da mera capacidade de sonhar, mas
sobretudo de ser sonhador. Refiro-me aquela terrível característica daqueles
que não receiam em abandonar a sua zona de conforto, de correr riscos, de
continuar quando todos aconselham a desistir, dos que fazem da sua vida uma
constante caminhada apesar do percurso ser acidentado.
Sonhar é preciso, quem o diz é a ciência. Se nos
privarmos de sonhos durante um período prolongado, o nosso organismo
poderá entrar em colapso e morrer. Talvez seja por isso que alguém,
brilhantemente, disse um dia: o sonho comanda a vida.
Eles
não sabem que o sonho
é
uma constante da vida
tão
concreta e definida
como
outra coisa qualquer,
como
esta pedra cinzenta
em
que me sento e descanso,
como
este ribeiro manso
em
serenos sobressaltos,
como
estes pinheiros altos
que
em verde e oiro se agitam,
como
estas aves que gritam
em
bebedeiras de azul.
Eles
não sabem que o sonho
é
vinho, é espuma, é fermento,
bichinho
álacre e sedento,
de
focinho pontiagudo,
que
fossa através de tudo
num
perpétuo movimento.
Eles
não sabem que o sonho
é
tela, é cor, é pincel,
base,
fuste, capitel,
arco
em ogiva, vitral,
pináculo
de catedral,
contraponto,
sinfonia,
máscara
grega, magia,
que
é retorta de alquimista,
mapa
do mundo distante,
rosa-dos-ventos,
Infante,
caravela
quinhentista,
que
é Cabo da Boa Esperança,
ouro,
canela, marfim,
florete
de espadachim,
bastidor,
passo de dança,
Colombina
e Arlequim,
passarola
voadora,
pára-raios,
locomotiva,
barco
de proa festiva,
alto-forno,
geradora,
cisão
do átomo, radar,
ultra-som,
televisão,
desembarque
em foguetão
na
superfície lunar.
Eles
não sabem, nem sonham,
que
o sonho comanda a vida.
Que
sempre que um homem sonha
o
mundo pula e avança
como
bola colorida
entre
as mãos de uma criança.
(António Gedeão).