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terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Please do not feed the fears… they're on a restricted diet!

Li há dias um artigo interessante sobre os exageros cometidos nestas alturas do ano, sei que há quem peque por defeito, mas há mais quem peque por excesso…

Por vezes, convém parar e pensar no que poderá estar a exagerar. Estou a falar de peso, sim, mas do emocional ou…acha que esse também não conta?
Gostaria de relembrar que quando nascemos carregamos emoções imprimidas no nosso ADN, tal bagagem às costas, como ferramentas básicas que bem trabalhadas dão origem a outras mais complexas… Porém se não as conseguir gerir, poderão tornar-se num verdadeiro desafio à (sua) autoridade!

O medo é uma dessas ferramentas (emoções) básicas, com caráter pré-cognitivo que dispara tal gatilho a uma velocidade estonteante, no entanto, é fundamental para o nosso equilíbrio e auto-preservação. Sem dúvida, essa emoção protege-o, tal melhor amigo do homem, que late a qualquer estranho ou aparente ameaça. Mas, já pensou quantas coisas interessantes afugentou ou não chegou a conhecer, por terem sido afastados pela feroz fera que protege o seu território sagrado? Pois…se continuar a deixar que afugente tudo o que parece diferente, a sua tolerância a novos desafios irá ficar seriamente comprometida.

Saiba também que, quanto mais o alimentar, mais ele vai exigir, aumentando o seu tamanho e reproduzir-se talvez, formando uma matilha de… medinhos.

Pode metê-lo numa jaula, ou amarrá-lo na casota, mas isso irá torná-lo mais nervoso e se se soltar, sairá mais descontrolado do que nunca. Talvez seja mais sensato compreender e aceitar a sua essência, respeitando-o, mas nunca lhe permitindo o domínio e acima de tudo: nunca lhe mostre medo!

Para isso lembre-se de o pôr num regime de alimentação saudável, aconselha-se uma boa dieta e exercício. Enfrente o seu medo, mostre-lhe afinal quem manda… e se houver alguém que o tente alimentar e à sua matilha de medinhos (mesmo que seja às suas escondidas), coloque um sinal já avisando: Please do not feed the fears, they're on a restricted diet!
 
 

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Jekyll & Hyde

Quem nunca ouviu falar em Dr. Jekyll e Mr. Hyde? Escrita em 1886 pelo escocês Robert Louis Stevenson, foi sem dúvida, uma pedrada no charco em plena época vitoriana. Curiosamente, em vésperas da explosão da teoria psicanalítica, o escocês relata a sua inspiração literária num pesadelo que teve…
 
A obra apresenta-nos um indivíduo honesto e virtuoso (Dr. Jekyll) fascinado pela ciência, abnegando qualquer laivo hedonista na sua vida, com o intuito de dividir na sua natureza o lado bom do lado mau. Em experiências no seu laboratório, desenvolve uma fórmula química, originando assim, o pavoroso e animalesco Mr. Hyde (materializando todas as suas inclinações perversas). Progressivamente, Hyde vai acumulando uma série de atos repulsivos e violentos, ao mesmo tempo que vai dominando a personalidade discreta do médico…
 
Efetivamente, esta obra reúne incontestável interesse de análise psicológica. Tratar-se-á de um caso de desordem ou transtorno dissociativo de identidade? Explorar-se-á o papel do inconsciente (como o conjunto de pulsões reprimidas e recalcadas) de acordo com a ótica freudiana? Ou será, pelo contrário, a evidência daquilo que Jung denominaria, mais tarde, como o arquétipo Sombra? Tudo isto ou nada disto? Depende da análise de cada um, certamente.
 
De facto, podemos interpretar de acordo com linhas de orientação epistemológicas ou meramente empíricas, no entanto, reconhece-se o desafio metafórico lançado por Stevenson. Será, então, possível a divisão entre o bom e o mau, numa lógica a preto e branco matematicamente comprovada?
 
Como alguém disse, o “eu” não deixa de ser um conjunto de várias redes neuronais distintas e…não haverá diferentes versões a flutuar dentro do nosso crânio? Qual delas será a verdadeira? O desportista que faz exercício todos os dias? O funcionário (in)feliz das 9h às 17h? O cônjuge (mais ou menos) dedicado? O pilar ou o desestabilizador da família? Tudo isto ou nada disto?

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Gold for the price of silver.

Dos livros de alquimia, dos grandes monarcas ao simples curioso, o ouro (do latim “aurum”) sempre esteve conotado com riqueza, sabedoria, divindade, poder… e de todos os metais é o mais conhecido. As suas aplicações são inúmeras, patentes na satisfação concedida pelos sinais de luxo e ostentação, ao enfeite simbólico, à crisoterapia…
 
Porém, para se transformar metais comuns em preciosos será necessário ter um toque de Midas (pelo que será tão desafiante quanto a veracidade da lenda) ou então trabalhar arduamente construindo o seu “El Dorado”, sem nunca entregar o ouro ao bandido… Para isso há que sair da zona de conforto, arriscar e andar, por vezes, em areias movediças.
 
De facto, há cenários brilhantes capazes de preencher ávidas expectativas, mas só a experiência adquirida lhe aguçará a visão, distinguindo o metal precioso de banhos dourados. Por isso, convém no mínimo pensar duas vezes quando por acaso, lhe propuserem “gold for the price of silver” porque nem tudo o que reluz é de facto ouro…

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O labirinto de Kafka

Sempre achei curioso o termo “Kafkiano” relativo ao absurdo, ao surreal, ao inimaginável ou impensável… sem dúvida, Franz Kafka, foi um dos escritores mais marcantes do século XX.
 
O que me fascina neste autor prende-se com a análise do ponto de vista psicológico – o curioso, particular e subjetivo mundo da introspeção, a mudança e o processo metamórfico, o pessimismo, a angústia existencial, presenteados na sua obra.
 
Em Metamorfose (escrita há 100 anos atrás) Kafka retrata a história de um homem, figura central e de sustento da sua família, que acorda transformado num inseto e cuja vida se vê completamente alterada, derivada da sua nova forma e condição. Através do processo metamórfico da personagem, Kafka apresenta uma crítica à sociedade do início do século passado, espelhada pelo desânimo e descrença.
 
Em vésperas da Primeira Grande Guerra Mundial, a obra de Kafka surge como uma expressão literária equivalente ao Grito de Edvard Munch (1893), alertando para o pensamento “rolo compressor” da sociedade vigente, que restringiu muitas vezes o valor do ser humano à aparência robotizada…
 
A intensidade de Kafka, apesar de sombria, pessimista e por vezes, angustiante, não deixa de conter um interessante e metafórico retrato crítico do sentimento de exclusão, da crise social e das contradições das dinâmicas do sistema familiar (tão evidente na relação de Franz Kafka com o seu pai).
 
De facto, existem labirintos com corredores e encruzilhadas sombrias e frias, que podem induzir verdadeiras sensações de sufoco. Porém, o desafio labiríntico reside em não ficar preso, nem definhar nele; há que continuar, prosseguindo até à sua saída.
 
É, no mínimo, desafiante nadar nas águas profundas da existência, podemos mergulhar bem fundo, mas devemos transportar oxigénio suficiente para voltar à superfície, sempre.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Em tempo de máscaras…

Aproxima-se, tal veloz cruzeiro, uma festividade com raízes anglo-saxónicas, embora atualmente esteja totalmente globalizada, sim... refiro-me ao Halloween, ou Dia das Bruxas. Com origens pagãs e desviada do sentido que lhe foi conferido resta-nos, hoje,  a diversão mantendo-se o uso de disfarces e máscaras.
 
De facto, o Homem sempre se fascinou pelo disfarce, pela possibilidade de vestir uma outra pele que não a sua e... já alguém disse “todos vêem aquilo que pareces, poucos sentem o que és”.
 
Importado da (sua) poltrona analítica, Jung introduziu um conceito resultante do arquétipo persona (a máscara ou o papel usados pelo ator-indivíduo) referindo-se aos nossos comportamentos escrutinados ao nível dos papéis sociais, a forma e o conteúdo que são apresentados ao mundo. São apenas ligeiras faces do nosso Self. Veja-se que não devem ser entendidas de forma pejorativa, pois representam um filtro adaptativo e de inserção, importante para o nosso próprio desenvolvimento. No entanto, não devem ser confundidas com o Self e (já a Gestalt dizia) “ o todo é maior do que a soma das partes”. 
 
De facto, este conceito (máscara) remonta a tempos recônditos, passando pelas origens do teatro e da tragédia grega – da manifestação emocional nos palcos dionísicos, às manifestações de homenagem fúnebre dos egípcios, aos rituais xamânicos  - a máscara assume-se como o passaporte para o imaginário, para o simbolismo. Desde os tempos da Idade Média que os bailes eram assegurados pelas vestes e máscaras festivas, pelo que todos se permitiriam à doce face do anonimato.
 
Simbolismo, anonimato… de certa forma, a máscara pode ser encarada como um molde de transformação, sendo que o que pode ser experienciado através de um papel poderá mais tarde ser integrado na própria identidade, e… não será isso viver?
 
Se a vida é um palco e nós os atores, certamente, usar-se-ão diferentes máscaras consoante os papéis. O desafio consiste em não ficar preso na envolvência de uma máscara, pois corre-se o risco desta tomar a forma dos contornos do rosto e ficar muito difícil de tirar, confundindo-se com este. Sem dúvida, por mais bonita ou impressionante que seja a máscara, o interesse residirá sempre na resolução do enigma: quem se encontra e se esconde por detrás dela?

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Os filhos da utopia.

“The ancients called me Utopia or Nowhere because of my isolation.”
Escrita em 1516 Utopia de (Saint) Thomas More é uma das obras mais marcantes do humanismo europeu. Perspetivado como um lugar regido pela razão, com pluralismo e liberdades religiosas, onde a mulher tem lugar destacado e a educação é promovida para todos – a ilha de More era, sem dúvida, no século XVI um Nowhere, uma Never Land, algo idealizado e “impossível” de ser concretizado (!), embora perfeitamente aceitável nos tempos de hoje…
 
O que teria passado pela cabeça de More para desafiar os dogmas instituídos numa sociedade tão pré-determinada? Que impossibilidades inatingíveis podem pautar a ação do pensamento, catapultando-o numa visão oraculiana, constando hoje como a normalidade contemporânea?
 
Por sua vez, existem também os detratores dos cenários de algodão doce, visionando, a catástrofe, o medo e a violência como futuro, com regimes totalitários, promotores de vigílias asfixiantes e das experiências de laboratório. 1984 (George Orwell), soa-lhe familiar? Pois, os filhos da utopia desiludidos com a (atual/futura) sociedade visionam um cenário catastrófico pintado de negro, a anti-utopia, chamemos-lhe de cacotopia ou pensamento distópico.
 
Ah! Mas não estarão os filhos da utopia a prestar a maior homenagem à sua progenitora, numa espécie de relação amor-ódio, digna da poltrona freudiana? Através da sátira e da crítica procuram sensibilizar e mobilizar a humanização… mas não é este um dos ideais utópicos? Poderá ser a distopia igualmente utópica, concedendo um profundo fundamento à existência do oxímoro?
No fundo, há sempre um motivo para resistir, persistir para perpetuar o mais ínfimo raio de luz nas trevas, pois sem o outro lado da moeda, não há movimento, e só há yang se houver yin…

terça-feira, 16 de outubro de 2012

No sofá com... Sartre.

Em meados da década de 40, do mui notável século XX, Jean-Paul Sartre proferia “L’ enfer c’est les autres” (O inferno são os outros) na sua peça "No Exit/ Huis Clos", suscitando diversas análises e interpretações nos mais variados quadrantes... efetivamente o que sempre me interessou, do ponto de vista filosófico, é a liberdade e a interpretação pessoal que cada um poderá fazer. A beleza e a função terapêutica da poesia, filosofia, da arte, das narrativas, não consistem na análise aritmética da perspetiva do autor, mas do recetor, daquele que vê, perceciona, interpreta e a vive de acordo com a sua história.
 
De facto, a forma como vemos o mundo influencia o nosso pensamento: se usarmos óculos de sol com lentes muito escuras, protegemo-nos dos raios ultravioleta, no entanto, retiramos muita luminosidade à imagem; porém se os trocarmos por lentes mais claras, poder-se-á ver com maior profundidade, mas com isso acrescerá maior sensibilidade à luz.
 
Dito isto, se usar sempre os mesmos óculos em diferentes estados de tempo, poderá acentuar escabrosas tempestades e/ou criar um fantástico pôr-do-sol ao início de uma tarde…
 
Muitas análises foram feitas a este “polémico” dito sartreano, porém se pensarmos que os outros, às vezes somos nós, e nós somos, por vezes, o espelho dos outros… será que “o inferno somos nós?”