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terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Please do not feed the fears… they're on a restricted diet!

Li há dias um artigo interessante sobre os exageros cometidos nestas alturas do ano, sei que há quem peque por defeito, mas há mais quem peque por excesso…

Por vezes, convém parar e pensar no que poderá estar a exagerar. Estou a falar de peso, sim, mas do emocional ou…acha que esse também não conta?
Gostaria de relembrar que quando nascemos carregamos emoções imprimidas no nosso ADN, tal bagagem às costas, como ferramentas básicas que bem trabalhadas dão origem a outras mais complexas… Porém se não as conseguir gerir, poderão tornar-se num verdadeiro desafio à (sua) autoridade!

O medo é uma dessas ferramentas (emoções) básicas, com caráter pré-cognitivo que dispara tal gatilho a uma velocidade estonteante, no entanto, é fundamental para o nosso equilíbrio e auto-preservação. Sem dúvida, essa emoção protege-o, tal melhor amigo do homem, que late a qualquer estranho ou aparente ameaça. Mas, já pensou quantas coisas interessantes afugentou ou não chegou a conhecer, por terem sido afastados pela feroz fera que protege o seu território sagrado? Pois…se continuar a deixar que afugente tudo o que parece diferente, a sua tolerância a novos desafios irá ficar seriamente comprometida.

Saiba também que, quanto mais o alimentar, mais ele vai exigir, aumentando o seu tamanho e reproduzir-se talvez, formando uma matilha de… medinhos.

Pode metê-lo numa jaula, ou amarrá-lo na casota, mas isso irá torná-lo mais nervoso e se se soltar, sairá mais descontrolado do que nunca. Talvez seja mais sensato compreender e aceitar a sua essência, respeitando-o, mas nunca lhe permitindo o domínio e acima de tudo: nunca lhe mostre medo!

Para isso lembre-se de o pôr num regime de alimentação saudável, aconselha-se uma boa dieta e exercício. Enfrente o seu medo, mostre-lhe afinal quem manda… e se houver alguém que o tente alimentar e à sua matilha de medinhos (mesmo que seja às suas escondidas), coloque um sinal já avisando: Please do not feed the fears, they're on a restricted diet!
 
 

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Jekyll & Hyde

Quem nunca ouviu falar em Dr. Jekyll e Mr. Hyde? Escrita em 1886 pelo escocês Robert Louis Stevenson, foi sem dúvida, uma pedrada no charco em plena época vitoriana. Curiosamente, em vésperas da explosão da teoria psicanalítica, o escocês relata a sua inspiração literária num pesadelo que teve…
 
A obra apresenta-nos um indivíduo honesto e virtuoso (Dr. Jekyll) fascinado pela ciência, abnegando qualquer laivo hedonista na sua vida, com o intuito de dividir na sua natureza o lado bom do lado mau. Em experiências no seu laboratório, desenvolve uma fórmula química, originando assim, o pavoroso e animalesco Mr. Hyde (materializando todas as suas inclinações perversas). Progressivamente, Hyde vai acumulando uma série de atos repulsivos e violentos, ao mesmo tempo que vai dominando a personalidade discreta do médico…
 
Efetivamente, esta obra reúne incontestável interesse de análise psicológica. Tratar-se-á de um caso de desordem ou transtorno dissociativo de identidade? Explorar-se-á o papel do inconsciente (como o conjunto de pulsões reprimidas e recalcadas) de acordo com a ótica freudiana? Ou será, pelo contrário, a evidência daquilo que Jung denominaria, mais tarde, como o arquétipo Sombra? Tudo isto ou nada disto? Depende da análise de cada um, certamente.
 
De facto, podemos interpretar de acordo com linhas de orientação epistemológicas ou meramente empíricas, no entanto, reconhece-se o desafio metafórico lançado por Stevenson. Será, então, possível a divisão entre o bom e o mau, numa lógica a preto e branco matematicamente comprovada?
 
Como alguém disse, o “eu” não deixa de ser um conjunto de várias redes neuronais distintas e…não haverá diferentes versões a flutuar dentro do nosso crânio? Qual delas será a verdadeira? O desportista que faz exercício todos os dias? O funcionário (in)feliz das 9h às 17h? O cônjuge (mais ou menos) dedicado? O pilar ou o desestabilizador da família? Tudo isto ou nada disto?

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Gold for the price of silver.

Dos livros de alquimia, dos grandes monarcas ao simples curioso, o ouro (do latim “aurum”) sempre esteve conotado com riqueza, sabedoria, divindade, poder… e de todos os metais é o mais conhecido. As suas aplicações são inúmeras, patentes na satisfação concedida pelos sinais de luxo e ostentação, ao enfeite simbólico, à crisoterapia…
 
Porém, para se transformar metais comuns em preciosos será necessário ter um toque de Midas (pelo que será tão desafiante quanto a veracidade da lenda) ou então trabalhar arduamente construindo o seu “El Dorado”, sem nunca entregar o ouro ao bandido… Para isso há que sair da zona de conforto, arriscar e andar, por vezes, em areias movediças.
 
De facto, há cenários brilhantes capazes de preencher ávidas expectativas, mas só a experiência adquirida lhe aguçará a visão, distinguindo o metal precioso de banhos dourados. Por isso, convém no mínimo pensar duas vezes quando por acaso, lhe propuserem “gold for the price of silver” porque nem tudo o que reluz é de facto ouro…

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O labirinto de Kafka

Sempre achei curioso o termo “Kafkiano” relativo ao absurdo, ao surreal, ao inimaginável ou impensável… sem dúvida, Franz Kafka, foi um dos escritores mais marcantes do século XX.
 
O que me fascina neste autor prende-se com a análise do ponto de vista psicológico – o curioso, particular e subjetivo mundo da introspeção, a mudança e o processo metamórfico, o pessimismo, a angústia existencial, presenteados na sua obra.
 
Em Metamorfose (escrita há 100 anos atrás) Kafka retrata a história de um homem, figura central e de sustento da sua família, que acorda transformado num inseto e cuja vida se vê completamente alterada, derivada da sua nova forma e condição. Através do processo metamórfico da personagem, Kafka apresenta uma crítica à sociedade do início do século passado, espelhada pelo desânimo e descrença.
 
Em vésperas da Primeira Grande Guerra Mundial, a obra de Kafka surge como uma expressão literária equivalente ao Grito de Edvard Munch (1893), alertando para o pensamento “rolo compressor” da sociedade vigente, que restringiu muitas vezes o valor do ser humano à aparência robotizada…
 
A intensidade de Kafka, apesar de sombria, pessimista e por vezes, angustiante, não deixa de conter um interessante e metafórico retrato crítico do sentimento de exclusão, da crise social e das contradições das dinâmicas do sistema familiar (tão evidente na relação de Franz Kafka com o seu pai).
 
De facto, existem labirintos com corredores e encruzilhadas sombrias e frias, que podem induzir verdadeiras sensações de sufoco. Porém, o desafio labiríntico reside em não ficar preso, nem definhar nele; há que continuar, prosseguindo até à sua saída.
 
É, no mínimo, desafiante nadar nas águas profundas da existência, podemos mergulhar bem fundo, mas devemos transportar oxigénio suficiente para voltar à superfície, sempre.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Em tempo de máscaras…

Aproxima-se, tal veloz cruzeiro, uma festividade com raízes anglo-saxónicas, embora atualmente esteja totalmente globalizada, sim... refiro-me ao Halloween, ou Dia das Bruxas. Com origens pagãs e desviada do sentido que lhe foi conferido resta-nos, hoje,  a diversão mantendo-se o uso de disfarces e máscaras.
 
De facto, o Homem sempre se fascinou pelo disfarce, pela possibilidade de vestir uma outra pele que não a sua e... já alguém disse “todos vêem aquilo que pareces, poucos sentem o que és”.
 
Importado da (sua) poltrona analítica, Jung introduziu um conceito resultante do arquétipo persona (a máscara ou o papel usados pelo ator-indivíduo) referindo-se aos nossos comportamentos escrutinados ao nível dos papéis sociais, a forma e o conteúdo que são apresentados ao mundo. São apenas ligeiras faces do nosso Self. Veja-se que não devem ser entendidas de forma pejorativa, pois representam um filtro adaptativo e de inserção, importante para o nosso próprio desenvolvimento. No entanto, não devem ser confundidas com o Self e (já a Gestalt dizia) “ o todo é maior do que a soma das partes”. 
 
De facto, este conceito (máscara) remonta a tempos recônditos, passando pelas origens do teatro e da tragédia grega – da manifestação emocional nos palcos dionísicos, às manifestações de homenagem fúnebre dos egípcios, aos rituais xamânicos  - a máscara assume-se como o passaporte para o imaginário, para o simbolismo. Desde os tempos da Idade Média que os bailes eram assegurados pelas vestes e máscaras festivas, pelo que todos se permitiriam à doce face do anonimato.
 
Simbolismo, anonimato… de certa forma, a máscara pode ser encarada como um molde de transformação, sendo que o que pode ser experienciado através de um papel poderá mais tarde ser integrado na própria identidade, e… não será isso viver?
 
Se a vida é um palco e nós os atores, certamente, usar-se-ão diferentes máscaras consoante os papéis. O desafio consiste em não ficar preso na envolvência de uma máscara, pois corre-se o risco desta tomar a forma dos contornos do rosto e ficar muito difícil de tirar, confundindo-se com este. Sem dúvida, por mais bonita ou impressionante que seja a máscara, o interesse residirá sempre na resolução do enigma: quem se encontra e se esconde por detrás dela?

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Os filhos da utopia.

“The ancients called me Utopia or Nowhere because of my isolation.”
Escrita em 1516 Utopia de (Saint) Thomas More é uma das obras mais marcantes do humanismo europeu. Perspetivado como um lugar regido pela razão, com pluralismo e liberdades religiosas, onde a mulher tem lugar destacado e a educação é promovida para todos – a ilha de More era, sem dúvida, no século XVI um Nowhere, uma Never Land, algo idealizado e “impossível” de ser concretizado (!), embora perfeitamente aceitável nos tempos de hoje…
 
O que teria passado pela cabeça de More para desafiar os dogmas instituídos numa sociedade tão pré-determinada? Que impossibilidades inatingíveis podem pautar a ação do pensamento, catapultando-o numa visão oraculiana, constando hoje como a normalidade contemporânea?
 
Por sua vez, existem também os detratores dos cenários de algodão doce, visionando, a catástrofe, o medo e a violência como futuro, com regimes totalitários, promotores de vigílias asfixiantes e das experiências de laboratório. 1984 (George Orwell), soa-lhe familiar? Pois, os filhos da utopia desiludidos com a (atual/futura) sociedade visionam um cenário catastrófico pintado de negro, a anti-utopia, chamemos-lhe de cacotopia ou pensamento distópico.
 
Ah! Mas não estarão os filhos da utopia a prestar a maior homenagem à sua progenitora, numa espécie de relação amor-ódio, digna da poltrona freudiana? Através da sátira e da crítica procuram sensibilizar e mobilizar a humanização… mas não é este um dos ideais utópicos? Poderá ser a distopia igualmente utópica, concedendo um profundo fundamento à existência do oxímoro?
No fundo, há sempre um motivo para resistir, persistir para perpetuar o mais ínfimo raio de luz nas trevas, pois sem o outro lado da moeda, não há movimento, e só há yang se houver yin…

terça-feira, 16 de outubro de 2012

No sofá com... Sartre.

Em meados da década de 40, do mui notável século XX, Jean-Paul Sartre proferia “L’ enfer c’est les autres” (O inferno são os outros) na sua peça "No Exit/ Huis Clos", suscitando diversas análises e interpretações nos mais variados quadrantes... efetivamente o que sempre me interessou, do ponto de vista filosófico, é a liberdade e a interpretação pessoal que cada um poderá fazer. A beleza e a função terapêutica da poesia, filosofia, da arte, das narrativas, não consistem na análise aritmética da perspetiva do autor, mas do recetor, daquele que vê, perceciona, interpreta e a vive de acordo com a sua história.
 
De facto, a forma como vemos o mundo influencia o nosso pensamento: se usarmos óculos de sol com lentes muito escuras, protegemo-nos dos raios ultravioleta, no entanto, retiramos muita luminosidade à imagem; porém se os trocarmos por lentes mais claras, poder-se-á ver com maior profundidade, mas com isso acrescerá maior sensibilidade à luz.
 
Dito isto, se usar sempre os mesmos óculos em diferentes estados de tempo, poderá acentuar escabrosas tempestades e/ou criar um fantástico pôr-do-sol ao início de uma tarde…
 
Muitas análises foram feitas a este “polémico” dito sartreano, porém se pensarmos que os outros, às vezes somos nós, e nós somos, por vezes, o espelho dos outros… será que “o inferno somos nós?”

terça-feira, 9 de outubro de 2012

O sonho comanda a vida

Da poltrona freudiana às mais recentes pesquisas, a necessidade de sonhar é mais do que uma evidência. Sonhar é preciso, na consolidação da memória, no reforço do sistema imunológico; sem sonhos morreríamos e quem o diz é a ciência. Ao privar-se um organismo de sono REM (Rapid Eye Movement – fase onde ocorrem, maioritariamente, os sonhos) este entrará em colapso e morrerá.

Porém, a produção de conteúdos simbólicos e/ou latentes (sim, falo da manifestação do inconsciente que revela aquela outra parte nós, por vezes, bem escondida nas profundezas do oceano) continua a ser alvo de análise e de interesse, pois a sua função continua a ser tema de debate.

Precisamos de sonhar, sim. Mas qual a sua função na nossa vida?

Além dos sonhos derivados do sistema neurofisiológico, existem outros, derivados da simples teimosia de projetar, de ir mais além, de (ante)ver, imaginar e viver mais intensamente…

Não falo da mera capacidade de sonhar, mas sobretudo de ser sonhador. Refiro-me aquela terrível característica daqueles que não receiam em abandonar a sua zona de conforto, de correr riscos, de continuar quando todos aconselham a desistir, dos que fazem da sua vida uma constante caminhada apesar do percurso ser acidentado.

Sonhar é preciso, quem o diz é a ciência. Se nos privarmos de sonhos durante um período prolongado, o nosso organismo poderá entrar em colapso e morrer. Talvez seja por isso que alguém, brilhantemente, disse um dia: o sonho comanda a vida.

 Pedra filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
 
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
 
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
 
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
 
                 (António Gedeão).

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Anormalmente normal.

Assisti há dias a um interessante debate acerca de duas "dimensões", cuja fronteira pode suscitar, ainda, muita ambiguidade - a eterna questão orthos vs pathos.
Estará a sociedade a produzir indivíduos com fobia à especificidade, e cujo primordial desejo é ser única e absolutamente normal, como os outros? Longe dos desvios padrão, bem aconchegados no conforto da curva de Galton…
 
Porém, a questão não reside na normalidade, mas no seu caráter totalista e absoluto. Vejamos, a sociedade é composta por  indivíduos com diferentes características, capacidades, competências, limitações e perturbações, falamos de pessoas e não de robots.
 
De facto, não resisto em referir um pathos da sociedade contemporânea: ser-se anormalmente normal. A normopatia (conceito introduzido pela psicanalista Joyce McDougall) é gerada por processos e mecanismos de defesa contra a desorganização e anomalias psíquicas.
Bem adaptados, contrastando com as classificações antagónicas clássicas de neurose e psicose, os normopatas apresentam uma enorme dificuldade em imergir no seu mundo interno. Christopher Bollas denomina-os como pessoas demasiadamente normais, estáveis, sociáveis, centrados unicamente na realidade exterior, funcionando como uma resposta “eco” de imitação, uma sombra da objetividade que aniquila a subjetividade interior…
 
Com o fervilhar da sociedade, novas exigências vão sendo requeridas como modelo de sucesso: altos, magros, esbeltos, inteligentes, de uma segurança implacável, tranquilos, assertivos (…) normais, mas… onde reside a diferença e a deliciosa idiossincrasia que nos distingue e, ao mesmo tempo, nos une profundamente? 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

"Wine is time".

Regressada há poucas horas de Bordéus ainda com todas sensações positivas pululantes na bagagem da memória, não quero deixar passar ao esquecimento uma frase que ouvi aquando de uma agradável visita a um dos Châteaux produtores de vinho: “Wine is time”.

Relembro a fisionomia do proprietário da vinha, um robusto senhor na casa dos seus férteis 70 anos, com socalcos profundos marcados na cara, dono de um sorriso enternecedor que lhe iluminava a cara sempre que falava da paixão da sua vida: o vinho.

Ah! Que registos guardam as pessoas que trabalham naquilo que adoram, transformando o que fazem na sua própria vida. Vivem e trabalham nas vinhas, fazem da arte do vinho a sua arte de viver.
Enologia não é só apreciar o néctar no copo, para chegar a esse resultado há todo um processo que se desenrola nos bastidores bucólicos. É preciso conhecer as uvas de qualidade, saber quando se encontram prontas para colheita. Da apanha manual, ao transporte das uvas, ao processo de fermentação, há um processo de savoir-faire que apesar de se aprender nos livros, se complementa com a mestria dos anos de prática e, sobretudo, com uma enorme paixão pelo que se faz.

Para se fazer um bom vinho há que deixá-lo amadurecer nas teias do tempo, há que lidar com as condições climatéricas que tanto podem favorecer as vindimas, como destruí-las. Uma vida árdua, esta da arte de fazer vinho...
Mas há sorrisos que não têm preço, que ultrapassam todos os postiços, os amarelos e os de conveniência; são aqueles que rasgam da espontaneidade de quem é verdadeiramente livre e cuja paixão é autêntica. Mas para tudo isso há que dar tempo ao tempo, pois as pressas não costumam gerar vintage.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Árvores de raízes profundas.

Há árvores de flor, de fruto, de diferentes tipos de madeira e folhagem, com múltiplas formas e estruturas.
 
Árvores que escutam os mais secretos segredos, onde se fazem as maiores confidências e se inscrevem nomes com declarações eternas ao longo de várias gerações - são as que se confundem com o próprio tempo.
 
Existem outras, com imensa folhagem, semelhantes a arbustos farfalhudos onde simplesmente se descansa à sombra escassa, derivada do tamanho do arvoredo. Ainda há árvores de folha persistente e as de folha caduca que mudam a cada estação. Depois há aquelas que secam rapidamente e precisam de muitos adubos e cuidados atentos do jardineiro... sem dúvida, árvores para todos os gostos e feitios!

Mas há árvores e árvores. Ao observarmos a copa, vemos apenas uma parte, a estrutura alicerçada no solo é uma incógnita, até onde vão as suas raízes? Como lida com os ventos irados?
 
Com largos desafios se depara o crescimento de uma árvore, pois há  intempéries que testam a sua robustez. De facto, se tiver a ousadia de crescer e perdurar muito, vai ter de se equilibrar, certamente… pois "qualquer árvore que queira tocar os céus precisa ter raízes tão profundas a ponto de tocar os infernos" (Carl Jung).  

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Rat race (inside the wheel).

Ratinhos de laboratório, hamster de estimação, quem nunca observou a corrida frenética de um roedor nas rodinhas dentro da gaiola… Porque corre tanto? Não vai a nenhum lado! Será que se exercita, melhorando a qualidade dos músculos? Estará a preparar o seu corpo para uma prova de resistência? Apesar de ser intrigante ver tamanha agitação, sabemos que é uma questão de tempo até o ratinho se cansar e a roda parar, pois embora empregue tanto esforço nunca vai sair do mesmo lugar…
 
Por vezes, existem momentos que se assemelham a gigantes rodas e há ratinhos que, embora se dediquem a uma corrida frenética, nunca cortarão nenhuma meta, pois o que fazem é alimentar a força motriz da roda, apenas isso… até ficarem exaustos.
 
“Rat race” é uma expressão análoga ao esforço empregue em situações cíclicas e inúteis de desgaste constante (veja-se, a título de exemplo, a corrida de um ratinho na roda, no laboratório). Mais uma expressão do quotidiano das sociedades modernas, refletora do estilo de vida, caracterizada pela velocidade dos pensamentos, das obrigações, da sobrecarga mental, da hiperocupação, bem… já se sabe no que vai originar: cansaço e frustração.
 
Por mais que se procure a ocupação total, vai sempre haver a sensação de se estar incompleto. Por mais que se busque a perfeição, haverá sempre algo imperfeito. Então porque continuar a correr, incessantemente?
 
Parar, sair da roda. Ouvir o corpo, escutar a mente. Saber abrandar quando se sente fumo, poderá evitar queimar o motor! Abrandar ou parar não é sinónimo de fraqueza, mas de inteligência e de auto-estima. Pense e analise bem as rodas (camufladas) com que se poderá deparar ao longo da estrada da vida…
 
Jennifer Kunst, psicanalista norte-americana confessou ter sofrido um insight quando um paciente a interpelou, perguntando-lhe: “Are you a member of the rat race or the human race?”

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O "ter de".

Algumas pessoas têm dúvida na hora de escrever “tenho de” ou “tenho que”, qual é a forma correta? Segundo alguns peritos da língua, existe uma diferença no uso empregue das expressões:
 
“Tenho de” – quando há dever, obrigação, necessidade. “Tenho de ler” (sou obrigado a ler);
“Tenho que” – quando há algo para fazer. “Tenho muito que ler” (tenho muitas coisas para ler). Portanto, depende do contexto e sobretudo do sentido, ninguém disse que português era fácil e as palavras têm o seu peso…
 
No fundo, em ambas as expressões, a ação parece já praticamente predestinada; não haverá muito a fazer, apenas tem de/que cumprir. Mas… já pensou em substituir o verbo ter pelo querer?
 
Há uma linha que separa o ter do querer e embora pareça ténue, divide o campo da obrigação do da vontade. Na maior parte das vezes, preterimos o querer pelo “ter de”. Mas já se perguntou o que realmente quer? Sei que há obrigações, mas também há opções e há o querer.
 
“Tenho de fazer isto, tenho de fazer aquilo”, já experimentou mudar a expressão para: quero fazer isto, quero fazer aquilo?
 
Se faz parte do clube dos “tenho de inveterados” saiba que ao querer vai continuar (!) a ter de acarretar com a responsabilidade da opção e vai ter que lidar com os múltiplos resultados, só que desta vez é porque quer, porque lhe apetece, faz sentido?
 
É claro que não tem de substituir esta expressão, se ela lhe confere as mais seguras linhas de orientação mas, às vezes, ao mudar a linguagem interna ultrapassamos enormes barreiras, rumo a uma melhor qualidade-de-vida…
 
Uma vez um amigo disse-me: “Tenho de ser feliz!” E eu perguntei-lhe logo de seguida: “Tens ou queres ser feliz?”

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Amanhã… fica (sempre) longe demais.

Fonte de desespero para uns e de intolerância para outros: a eterna fuga para a frente. “Amanhã faço, sem falta”. Mas na maioria das vezes, é mesmo em falta. Procrastinação, conhece? Aqui ficam alguns sintomas:
 
- Evitar e protelar tarefas;
- Distrair-se facilmente e fazer outras coisas não relevantes;
- Sentir-se culpado por não atingir os seus objetivos;
- Adiar as prioridades;
- Ter dificuldade em tomar decisões;
- Não cumprir a horas os compromissos;
- Passar a vida stressado por não gerir o tempo;
- Ter resultados abaixo do esperado com reflexo na produtividade;
(…)
 
A procrastinação não é nada mais do que a protelação e o adiamento de uma ação; pode estar associada a várias causas: ansiedade, baixa auto-estima (relação “pescadinha de rabo-na-boca”); síndrome do estudante (dá mais adrenalina); perfeccionismo…
 
Ao ficar preso nas malhas da indecisão e da inoperatividade, o mais provável será desenvolver um desânimo aprendido cíclico, com sentimentos de culpa e de incapacidade.
Saiba que a melhor forma de sair de um ciclo vicioso é reconhecer que se encontra dentro dele, para depois rompê-lo, tal tempestade ciclónica!
 
Aqui ficam algumas dicas:
Atenção: ou o caro leitor continua a ler, ou então, deixa para mais tarde, saiba que a opção é sempre sua!
Dar início. “Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje” e o povo lá aconselha, para se fazer qualquer coisa começa-se pelo início (verdade à La Palice!). Então, porque não começar logo pela manhã, no princípio do dia? Assim, evita tarefas circulares e desnecessárias.
 
 Preparar. Se estiver na presença de uma tarefa mais exigente, convém prepará-la bem, ver o que se precisa (quais os requisitos) e o que é essencial para um bom começo.
 
Estabelecer prioridades. Se tiver dificuldades lembre-se da expressão “first things first” se tem de fazer uma casa, não começa pelo telhado, certamente... Há alicerces, por isso, construa os alicerces da sua tarefa e depois parta para o resto.
 
Estabelecer prazos. Depois de um início há que delinear um fim. Projete um prazo para a conclusão e alcance da tarefa ou objetivo. A melhor forma de procrastinar é deixar em aberto a conclusão, (hoje, amanhã, daqui a um ano…). Deste modo, aponte no calendário a data x como o terminus da tarefa.
 
Criar um hábito contínuo. Se estiver comprometido com um objetivo pessoal a longo prazo (desporto, por exemplo), pratique-o todos os dias estabelecendo-lhe um horário predestinado, e já agora se conseguir arranjar companhia, melhor, ajuda-o a reforçar o seu comportamento e… a união faz a força!
 
Criar um compromisso. Comprometa-se! Escreva num papel, grave um áudio, diga aos amigos, mas mais importante de tudo: diga a si próprio o que quer e faça-o! Lembre-se que a procrastinação pode causar efeitos indesejáveis a quem o rodeia, nos mais diversos contextos, mas há uma pessoa que vai ficar a mais desiludida de todos, pois já sabe quem é…
 
Combater as distrações. Livre-se ou ponha de lado qualquer parafernália que o distraia e que sirva como desculpa para não terminar, ou impedir de começar. São os principais adversários, pois são os primeiros a quem recorre para protelar e adiar… deixe-os sossegados pois terá (ainda) muito tempo para lhes dedicar.
 
Visualizar. Imagine como vai sentir-se ao terminar uma tarefa, ao atingir um objetivo, e sinta como será ultrapassar a barreira psicológica da gestão do tempo.
 
Já agora, se sofre de um mal chamado perfeccionismo, saiba que não há nada mais imperfeito do que ter medo de não ser perfeito. Termino com uma leve provocaçãozinha...
 
Nota: Sugerem-se estas dicas o que não quer dizer que as tenha de seguir biblicamente, lembre-se quem é de facto o agente de mudança… porém, se tem alguma coisa importante para fazer, o melhor será mesmo começar porque o amanhã fica (sempre) longe demais.

 
 
P.S. Deixei de procrastinar e escrevi o texto conforme o Acordo Ortográfico. Ah! Foi bem desafiante... eu bem sei que "old habits die hard".

terça-feira, 21 de agosto de 2012

The time is now.

Parece eterna a questão do tempo psicológico. Como vivemos e experienciamos os momentos, como nos ocupamos mentalmente: com memórias passadas, com projectos atingir no futuro, no que se faz no presente?

Philip Zimbardo e John Boyd presenteiam-nos com “The Time Paradox”, o Paradoxo do Tempo, decifrando alguns paradoxos e desvendando comportamentos orientados temporalmente. Para os autores, a atitude perante a orientação ou perspectiva temporal tem um impacto importante na nossa qualidade de vida, porém poucos têm consciência disso. Uma importante ilação desta obra, prende-se com o facto da orientação temporal ser aprendida e, aquando da tomada de consciência, ser modificável.

Existem pessoas com orientação para o passado geralmente muito arreigadas às tradições, ao núcleo familiar… às memórias. É claro que a orientação pode ser positiva, mas também pode ser o oposto… o cerne das pessoas altamente orientadas para este tempo é o facto de estarem “presas”, encalhadas num momento.

As pessoas com orientação para o futuro geralmente têm bons resultados académicos, bons profissionais, organizados, mas apresentam baixíssima tolerância ao inesperado, à frustração, a pequenas coisas como a simples demora no trânsito, é uma enorme perda de tempo…

Já pensou que quando se ignora o presente e se olha, primordialmente, para o passado ou para o futuro em busca da felicidade, pode-se perder a que está mesmo à frente do nosso nariz? Eu explico, o tempo passado ou o tempo futuro, são construções mentais, no fundo “vividas” no presente (a sua mente irá recordar ou projectar emoções); deste modo ao ocupar a sua mente com esses tempos, poderá não prestar atenção ao momento físico e real. Quem sabe até poderia ser um daqueles importantes para tempos futuros, ou uma boa memória para recordar… dá que pensar.

Um dos paradoxos do tempo prende-se com a orientação no presente, necessária para se aproveitar a vida, mas esta orientação em demasia pode subtrair felicidade, é em si um paradoxo. Cair em rotina, e na automatização dos comportamentos acaba por ser contraproducente, mas uma orientação altamente centrada no presente hedonista tem o reverso da medalha, e como alguém disse um dia, “o que é demais é erro”…

Como já deve ter percebido, no inigualável mundo das ciências humanas, não há lógicas a preto e branco, neste específico caso trata-se de orientações temporais que foram construídas por si, no seu processo de desenvolvimento. Isto não significa que tenha de funcionar assim ad aeternum

Acima de tudo, (na minha opinião) seja qual for a sua orientação mais vincada, passado, presente, futuro, pense num tempo mais determinante do que todos, o agora. Esteja a recordar momentos do passado, que funcionam como âncoras alicerçadoras da sua felicidade, ou a mudar as suas atitudes face a acontecimentos passados; a desfrutar a alegria do momento; ou a traçar objectivos a atingir brevemente, o que estiver a fazer, está a fazê-lo agora. O que quiser mudar faça-o, agora. Esse é o tempo mais determinante de todos. Agora.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

A Chama

Segundo a mitologia, Prometeu roubou o fogo (sagrado) de Zeus para o entregar aos mortais; era conhecido pela sua astúcia, inteligência, porém a sua audácia seria paga à melhor maneira da tragédia grega… De Ésquilo a Goethe, o imaginário de semi-deuses, que ultrapassam obstáculos impossíveis e herculineos, sempre povoou o pensamento ocidental, como uma veia motriz e motivadora para acção.

Mas o que mantém a psique activa, interessada, motivada -  o que nos chama?    
Foto original
Estarmos motivados, interessados e activos como fogo-de-artifício (lindo por sinal!) tem um carácter espectacular mas efémero, pois transformar a faísca em chama, mantê-la acesa e forte, exigirá bastante empenho e audácia q.b.
                                                                                    
                           
A atitude (predisposição interna, estável e duradoura em relação a determinado objecto social, composta pelas componentes afectiva, cognitiva e comportamental) funciona como ignição e catalisador para a chama, sendo que ninguém pode apagá-la, excepto nós.  É esse o busílis da questão, obviamente haverá factores e condicionantes de ordem externa, mas a chama só se apaga quando quisermos; e é claro, podemos sempre reacendê-la.

Certamente ter-se-á de correr riscos, enfrentar obstáculos, sair da zona de conforto… mas o "fogo sagrado" compensará tal ousadia.